Comprimento de Cano X Potência x Velocidade x Precisão
Existe uma percepção muito comum, especialmente entre os não-atiradores, de que arma de cano longo é sinônimo de arma mais precisa e de tiro com maior potência. Tanto que é comum ouvir proferida a afirmação de que “não se acerta nada com arma de cano curto” ou que “arma de cano curto rouba potência do tiro”, ou coisas parecidas. Será que o comprimento do cano faz – realmente – tanta diferença assim? Antes de entrarmos na discussão propriamente dita, convém estabelecer alguns parâmetros para homogeneizar – e simplificar um pouco – o que vai ser dito.
Partamos, então, de duas armas, uma longa e uma curta, de mesmo calibre, e uma mesma munição. Digamos, o calibre .38 SPL, carga “padrão” (não +P nem +P+), com projétil de 158 grains. Como armas, tomemos um revólver e uma carabina com canos de 6” e 20”, respectivamente.
Potência
Entendida como a energia do projétil disparado da arma, a potência é função de duas grandezas: a massa do projétil e sua velocidade. A boa e velha fórmula de energia cinética nos diz que e = (m*v^2)/2. Produto da massa pela velocidade elevada ao quadrado, dividido por 2. Isso significa que a energia aumenta numa proporção quadrada do aumento da velocidade.
Portanto, dadas as armas e a munição escolhidas, aquela arma na qual a munição desenvolver maior velocidade será a que terá maior potência. Tão simples quanto isso.
Velocidade
A percepção de que, dada uma mesma munição, um cano longo sempre vai gerar mais velocidade é falsa. É o que ocorre em boa parte dos casos, mas a premissa é falsa.Para entender o porquê disso, é necessário – primeiro – compreender como o projétil é acelerado e expulso do cano. Trata-se do que se chama de “balística interna”.
Ao ser atingida pelo percussor da arma, a espoleta inicia todo o processo com uma explosão (por sinal a única explosão que ocorre em todo o ciclo). Essa explosão lança partículas incandescentes e gás em alta temperatura contra a carga de pólvora. A pólvora sem-fumaça que hoje usamos é um propelente. Isso significa que é um sólido que, incendiado, se converte rapidamente em gás. É esse gás que vai impulsionar o projétil pelo cano e em direção ao alvo.
Uma vez iniciada a queima da pólvora ocorre uma rápida e intensa geração de gás. O gás, como qualquer outra matéria, ocupa espaço. Como a queima da pólvora é progressiva (não ocorre de uma só vez), o volume do gás gerado por essa queima aumenta muito e muito rápido, excedendo em muitas vezes o volume interno do estojo onde a pólvora está contida. Essa expansão violenta provoca duas coisas: expande / empurra o estojo contra o ferrolho (ou a parede da armação) e paredes da câmara de disparo e empurra a base do projétil.
Como a câmara de disparo e o ferrolho (ou a parede da armação) não cedem a essa pressão, toda a expansão se dirige para o único lado em que alguma coisa permite aumento de volume: o projétil. Assim tem início a aceleração do projétil cano afora. O projétil começa a se mover, impulsionado pela expansão dos gases da queima da pólvora. Isso significa que o volume interno do sistema aumenta. Como a quantidade de pólvora no cartucho é finita, a quantidade de gases e sua expansão também o são. Aí é que entra o comprimento do cano.
Se o cano for longo o suficiente para que a pólvora seja completamente queimada e, no exato ponto em que ela se exaurir o projétil sair do cano, teremos uma situação em que se obteve a maior velocidade fisicamente possível de ser atingida por aquele cartucho. No entanto, se o cano tiver comprimento muito além desse ponto, ocorrerá uma desaceleração do projétil, pois a energia que o impulsiona pelo cano terá cessado e o seu atrito com o cano se encarregará do resto.
O outro extremo da coisa é o cano curto. Nele o projétil sai do cano antes (às vezes muito antes) da queima da pólvora ter atingido um nível razoável. Um sinal claro disso é a labareda na boca do cano da arma. Labareda grande significa que o projétil saiu do cano com a pólvora ainda queimando, o que quer dizer que uma parte da energia da queima da pólvora foi desperdiçada. Fica claro que o projétil, neste caso, atinge velocidade abaixo daquela possível no primeiro caso descrito.
O problema, no mundo real, é que não existe apenas um único tipo de munição para um dado calibre. Desta forma, os fabricantes de armas têm que fazer uma opção difícil ao determinar quais comprimentos de cano serão ofertados. A lógica dessa decisão não vem ao caso no momento, mas o fato é que os comprimentos de cano são – sempre – mais adequados ou menos adequados para um ou outro tipo de munição. É raríssimo o caso de um comprimento de cano que consiga extrair o máximo desempenho de um dado cartucho. Assim, dentro dos limites expostos, um cano longo extrai mais velocidade de uma dada carga. O problema é saber o quão longo o cano tem que ser (e, claro, conseguir um!). A relação entre comprimento de cano e velocidade existe, mas está muito longe de ser tão simples quanto muitos supõem.
No caso das armas escolhidas, o cano de 6” do revólver produz boa velocidade. Algo entre 800 e 900 pés/segundo com a carga escolhida. O cano de 20” da carabina produz velocidade maior, entre 1000 e 1100 pés/segundo.
Precisão
Esta é mais uma área em que há muita confusão. A discussão sobre precisão sempre é composta de duas partes: 1) a viagem do projétil pelo cano (balística interna) e 2) a viagem do projétil pela atmosfera, até o alvo (balística externa). Falar apenas do cano é falar de apenas um dos componentes de metade da discussão. Diz a “sabedoria” popular que armas de cano longo são sempre mais precisas que armas de cano curto. Isto não é verdade. Essa percepção, “comprovada” por muitos, decorre de dois fatores muito simples, mas que conduzem a uma conclusão errada sobre o tema:
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O cano mais longo proporciona um plano de mira (distância entre a alça e a massa de mira) maior e, portanto, menos sujeito a desalinhos com o alvo.
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O peso maior do cano longo confere à arma maior resistência a movimentos do atirador, o que promove menos desalinho com o alvo.
Especificamente sobre o comprimento do cano, a verdade é que – dados canos de uma mesma espessura – o cano mais curto tem melhor potencial de precisão do que o cano mais longo. Ainda que contra-intuitiva, essa afirmação é verdadeira e a explicação é relativamente simples: rigidez. O cano mais curto é mais rígido que o cano mais longo.
E o que tem isso a ver com a história? Vibração. Ainda que não seja visível, todo e qualquer cano vibra durante o tiro. Essa vibração harmônica faz com que o cano se comporte como uma corda que é presa por uma ponta e agitada. Nos canos curtos a amplitude dessa vibração é menor que nos canos longos. Como essa vibração altera a posição da boca do cano em relação ao alvo, fica clara a vantagem de ter um cano mais rígido quando o assunto é precisão. No cano curto, afinal, o projétil deixa o cano em posição mais próxima do alinhamento correto com o alvo.
Conclusão
Velocidade e potência, dentro de certos limites, são – de fato – maiores em canos longos. Entretanto, não guardam relação direta com precisão. Precisão é um objetivo elusivo e um tema vastíssimo. O intuito desta resumidíssima discussão é mostrar que precisão requer um delicado – e complicado – equilíbrio de diversos fatores, nem todos interligados entre si, que a afetam de formas diferentes. Desses, comprimento do cano é um dos que menos influencia – de fato – o resultado final.
Colaboração de Celso Shimomura
Fonte: Armas On-line